[Resenha] Conto "Amor" de Laços de Família - Clarice Lispector

Bom dia, leitores!

Como prometido no meu post anterior, trouxe para vocês uma análise - é mais uma análise que uma resenha, afinal é obvia a minha paixão por Clarice - de um dos contos presentes no livro Laços de Família.

O conto "Amor" de Clarice Lispector sintetiza muito bem a genialidade da autora. As poucas palavras encontradas em 12 páginas têm o poder de nos arrancar do mundo material e nos convida a refletir sobre a essência de todas as coisas.

No entanto, não nos devemos deixar enganar: para entender essa brilhante escritora é necessário ler o livro minuciosamente, interpretando palavra por palavra, digerindo vírgula por vírgula. Concordo que é perfeitamente possível ler o conto em apenas uma hora, mas o efeito, com certeza, não seria o mesmo. Digo, não se espantem, que é algo para ser lido em dias pois, cada linha faz o cérebro fazer bilhões de sinapses e, sim, muitas das conclusões que tiramos dela podem mudar nosso jeito de pensar, de agir e de ser.

"Amor" nos fazer entender que, muitas vezes, a aparência é capaz de enganar a nós mesmos: se, de tanto mostrar aos outros que somos felizes, passaremos a acreditar nisso, quando, na verdade, em essência não somos.

O conto tem como protagonista Ana, uma mulher de classe média que assolada pela rotina e pela imposição de sua condição feminina sofre um doloroso momento de epifania, de contato consigo mesma. Essa crise se inicia depois de observar um cego mascando chicles. E, neste momento, deve-se fazer uma pausa para refletir e perguntar: por quê?

"O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada."

Em primeiro lugar, um homem sem a visão pode nos levar a pensar em alguém desligado do mundo material, alguém que tem acesso ao seu monólogo interior. Ainda, o fato de ele estar mascando chicles com naturalidade provoca em Ana a sensação ele é feliz em sua essência. A partir dai, ela passa a se questionar sobre sua vida. Afinal, era ela realmente feliz?

"Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto que esta não explodisse. (...) tudo feito de um modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma visão cheia de naúsea doce, até a boca."

Ana chega a conclusão de que não. Sua verdadeira essência era uma "íntima desordem" escondida pela "aparência harmoniosa" de sua felicidade.

"Um cego me levou ao pior de mim mesma."

Entretanto, essa ruptura sofrida pela protagonista não deve ser encarada como algo de todo negativo. Ela é, na verdade, revigoradora na medida em que a faz confrontar com a realidade, com a rotina, com sua condição de mulher em uma sociedade machista. Isso também causa nela um enorme fascínio e perplexidade diante da descoberta de que é livre para fazer as próprias escolhas, livre para não seguir as leis ditadas pela moralidade social.

"E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver."

Clarice consegue, em poucas páginas escritas, mostrar que muitas vezes com a finalidade de proteger o amor aprisiona; que não permite que vivamos perigosamente, que enfrentemos a vida. O amor verdadeiro, sim, é capaz de libertar e de nos conduzir ao autoconhecimento.

"Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver."

Por fim, pode-se dizer que dimensão social do conto "Amor" de Clarice Lispector, reflete bem a sociedade patriarcalista dos anos 50 ( década em que foi escrito o livro) e também a de hoje. Nós mulheres, ainda somos vistas como estereótipos, algo que pode ser empossado e aprisionado. Cabe somente a nós, entretanto, mudar a realidade, e para isso devemos, primeiramente, nos autoconhecermos.  

Espero que eu tenha consigo convencer alguns de vocês a lerem Clarice Lispector!

Beijos!


20 comentários

  1. Sabe que abdo ficando curiosa quanto a esse livro. Não é a primeira vez que vejo blogueiros falando dele e tenhi ficado curiosa. São contos então, interessante...

    www.vidacomplicada.com

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  2. Parece ser realmente interessante, ainda assim não tenho certeza se conseguiria ler, mas por ser contos pode ser que fique mais fácil e não cansativo... quem sabe, heim?
    Estante de uma Fangirl

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    1. Mesmo sendo contos talvez ainda seja um pouco cansativo. Ler Clarice exige que você não leia só o que está escrito mas também nas entrelinhas.
      Beijos

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  3. Olá, Gabrielle.
    Apesar de achar a capa linda demais, e de ter gostado das suas palavras, ainda não me animei em ler alguma coisa dela. Pelo menos não por enquanto.

    Blog Prefácio

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    1. Você ja tentou ler algum livro dela? Porque realmente têm pessoas que não gostam mesmo... Eu diria para você tentar mais uma vez entrar no universo da Clarice. Vale a pena!
      Beijos

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  4. Olá Flor Tudo bem?
    Não sou Fã de contos, mais Já li alguns muitos bons <3
    concordo com a Autora o amor nos ensina muitas coisas,e claro que nos leva a fazer coisas erradas Também, na verdade isso as vezes e difícil de explicar , e difícil saber se realmente estamos sendo conduzidas pelo sentimento! somos aprisionadas.
    Aos poucos finalmente nos mulheres estamos criando nosso espaço livre de preconceito e machismo.
    Enfim adorei.
    Beijinhos.
    http://resenhaatual.blogspot.com.br/

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  5. Oi, tudo bem? Ainda não conhecia seu espacinho e fiquei completamente pirado com tudo hahaha você escreve super bem, meus parabéns!! Olha, ainda não conheço esse livro, na verdade só ouvia falar. Parece ser bem interessante!

    http://www.blogmemories.com.br

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    1. Bem, seja bem vindo ao nosso espacinho então!
      E obrigada!
      Beijos

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  6. Oi ...
    Já tinha um certo interesse sobre esse livro , mas , após o post me interessei ainda mais !
    Da autora já li "A hora da estrela " e amei ! Macábea é um personagem inesquecível para mim :)
    Beijos

    http://coisasdediane.blogspot.com.br/

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    1. Ah, se você já leu Clarice é do meu time então! Hahaha recomendo Laços de Família a você agora!
      Beijos

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  7. Olá Gabrielle,
    Ainda pretendo ler livros da Clarice, estou procurando fazer essas leituras para compreender melhor o motivo de elas terem entrado para o cânone. Mas pelo que já andei estudando a respeito, meio que sinto o motivo de tal. Esses questionamentos me chamam atenção.
    Sem dúvidas o fato de um livro mudar nosso jeito de pensar é algo incrível!
    Beijos
    Blog Historiar


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    1. Clarice muda muito o jeito de ver e pensar as coisas! Espero que um dia você possa ler.
      Beijos

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  8. Gabrielle!
    A Clarisse tem uma forma própria de colocar seus pensamentos e sempre a favor d independência feminina.
    O amor é um tema abrangente, tanto liberta quanto aprisiona. Nós mulheres temos conquistado nosso espaço aos poucos porém infelizmente o homem, é um mal necessário em nossas vidas, cabe a nós, nos tornarmos mais 'desligadas' da dependência e buscar mecanismos para curtimos o amor sem que nos sintamos aprisionadas, como diz Clarisse.
    “É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação.”(Friedrich Nietzsche)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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  9. Gab, eu gosto bastante da escrita espontânea da Clarice Lispector, conheci o livro por seu post anterior e seus comentários eram mais que aguardados. Confesso, que só por suas palavras sobre a história já me fez refletir, imaginei então a leitura do livro. Com simples ações rotineiras, Ana parece rever toda a sua vida e suas ações. Curti bastante!

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  10. Nunca li nenhum livro da Clarice, mas tenho muita vontade de ler devido a todos os elogios que vejo dados a autora.
    Sua análise/resenha me fez entender porque falam tão bem da autora e de sua escrita. Por você gostar tanto da autora, dá para sentir [e muito] seu sentimento ao falar dela. Fiquei encantada e quero sentir tudo o que você sentiu quando for ler.

    Beijos.

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  11. Olá

    Nunca li nada da Clarisse, apesar de ver várias críticas positivas aos livros dela, gostei da sua análise e é impressionante como você citou que o conto cabe tanto a sociedade dos anos 50,como a nossa.


    Bjss

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  12. Sua análise está muito clara e mostra que conhece a autora. Parabens!!

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